14 de mai. de 2013

"DISFARÇÅ QUE LÁ VEM BALA! "

HISTÓRIA DO BRASIL SEMPRE É BOM SABER...


Na manhã de 3 de outubro de 1930, o tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro foi passear em trajes civis na rua da Praia e ficou chocado: todo mundo citava seu nome como chefe militar da revolução que iria rebentar em poucas horas. Abatido com a indiscrição dos gaúchos, que faziam os comentários abertamente nos cafés e rodinhas na calçada, foi sentar-se, desolado, num dos bancos da praça da Alfândega.

Aproximou-se então um amigo, oficial do Estado-Maior da Região e ofereceu-se para participar do movimento. O paraibano Góis Monteiro, que confessava não ter vocação militar, disfarçou: “Minha presença aqui na praça já é um desmentido. Mas se isso que estão falando realmente acontecer, o senhor deve ficar ao lado do seu general”.

A tensa volta para casa aumentou seu nervosismo: já estavam assaltando as lojas de armas, os colégios encerravam as aulas e o comércio fechava as portas. Almoçou com a família e despediu-se da mulher e dos filhos: não sabia se tornaria a vê-los. Quando chegou na residência da irmã de Oswaldo Aranha para os últimos preparativos, fez um desabafo contra a “indiscrição da gente gaúcha”. Mas não tinha jeito: o “baile” tinha hora marcada e ele dirigiu-se ao Palácio do Governo para a cartada final.

Oswaldo Aranha também deu seu passeio na rua da Praia naquele dia, junto com o mineiro Virgílio de Mello Franco, um dos principais articuladores da revolução, que conta como foi: “Nosso propósito era despistar, pela nossa aparente despreocupação, o espiões do comandante da Região Militar, que andavam em grande atividade”.

Aranha estava preocupado: já passava do meio dia e o general Gil de Almeida, que tinha saído muito cedo, ainda não estava no Quartel General. Alguém o teria avisado e a pessoa mais importante do inimigo já estaria recolhido a algum outro quartel, esperando os acontecimentos? De repente, um “secreta” a serviço da causa passou por perto e sussurrou: “O home já está em casa”.

Quem não gostou daquela movimentação foi a filha do presidente do Estado, Alzira Vargas. Quando voltou do colégio, às quatro da tarde, a mãe, Darcy, avisou que não dormiriam no palácio pois a revolução iria rebentar depois das cinco horas. “Você precisa ir para tomar conta dos irmãos”, disse para a filha, que tentou reclamar, oferecendo-se para lutar. O irmão, Lutero, estava furioso: “Uns caras entraram no meu quarto e estão trocando de roupa sem pedir licença”. Era Góis e seu Estado Maior, que colocava a farda para assumir a luta. “Desde 25 de setembro a revolução ficara marcada para 3 de outubro”, conta Barbosa Lima Sobrinho. “A necessidade de comunicar a hora certa para um número enorme de pessoas, em todos os cantos do país, fez com que se divulgasse a combinação. Mas quem se atreveria a comunicar a informação ao sr. Washington Luiz, no receio de pilhérias desdenhosas que acolheriam a notícia inacreditada? Assim, ninguém se preveniu para a Revolução, que foi uma surpresa para o governo, muito embora andasse há muito entre os segredos de polichinelo”.

Uma das pessoas que ignoravam tudo era João Simplício, secretário da Fazenda do presidente do Estado, Getúlio Vargas. Os dois despachavam calmamente no Palácio, quanto às 17h30 ouviu-se o primeiro silvo vindo dos lados do Quartel General, seguido de mais um. Segundos depois, era um tiroteio cerrado, que em pouco tem se estendeu à cidade inteira. Diante do susto do seu auxiliar, Getúlio foi muito objetivo: “Calma, João Sim­plício. É a revolução”.

“Foi uma coisa brutal”, lembrou Flores da Cunha num depoimento sobre o assalto ao Quartel General. “Aquilo foi um ato que não se re­produz muitas vezes no mundo. Eu e o Oswaldo Aranha no comando de trinta guardas-civis, que saíram, numa marcha de rotina de policiamento. Quando fronteamos aquele ângulo morto do quartel, um dos guardas gritou: à carga! Eles se atiraram dentro do quartel e arrancaram as armas dos soldados, praticamente com as mãos limpas. Que coisa, que gesto! Morreram três ali mesmo. O que gritou à carga levou um tiro na cara.”

O QG estava situado, naquela época, numa esquina da rua dos Andradas, o quartel do 2º Exército ficava quase defronte e o da Brigada Militar na mesma rua. Vinte dias antes, Oswaldo Aranha selecionou 200 homens e determinou que diariamente, entre cinco e seis da tarde, marchassem em volta do quarteirão, passando sempre mais próximo das calçadas dos quartéis, recomendando que não aceitassem provocações de ninguém, por mais pesadas que fossem. Várias vezes os soldados do Exército provocaram os brigadianos, chamando-os de soldados de brinquedo, bonecos. Assim, no dia 3, o desfile já tinha se transformado em rotina e isso foi fatal.

A filha do general Gil, que morava num dos apartamento que existia no QG, veio direto a Flores da Cunha e advertiu: “Não deixe ninguém entrar no quarto do meu pai, que ele vai se matar”. Flores tranquilizou: “Ninguém vai entrar lá. Tira o revólver da mão dele, que ninguém vai invadir”. A oficialidade da Brigada Militar, segundo Flores, ficou só olhando o tiroteio, da calçada em frente. “Tive que saltar por cima dos miolos de um guarda morto e cheguei a gritar para os oficiais da Brigada: tragam uma padiola para levar este homem e eles me responderam: não existe nenhuma padiola aqui.”

“Exatamente na porta de entrada do Quartel jazia morto, com a cabeça estourada por uma granada de mão, de braços abertos em cruz, um pobre guarda civil”, conta Virgílio de Melo Franco. No meio da rua, no saguão e nas escadas, outros mortos. Seis tinham morrido imediatamente e cinco morreram mais tarde. Ao todo, entre mortos e feridos, 25 tinham sido postos fora de combate. Às 11 da noite, já estavam dominados o QG, o Arsenal de Guerra, o 8º e 9º Batalhão de Caçadores, o Es­quadrão da Região, o Curso de Preparação Militar, o Contingente de Carta Geral e mais a Com­panhia de Estabelecimentos, situado no Parque da Redenção. Só o 7º B.C. resistia.

“A obstinada resistência durava já mais de quatro horas”, conta Góis, “sem qualquer sinal de esmorecimento, sem atender a nenhuma intimidação para capitular. Não tive outro recurso naquela emergência: mandei bombardear o quartel com lança-chamas”. Logo aos primeiros disparos, foi incendiado um pavilhão que alojava uma companhia do Batalhão. A pedido de Flores, Góis fez uma trégua de uma hora para negociar a rendição. Enquanto conversava com o emissário, restabeleceu-se o tiroteio, já que o prazo da trégua tinha esgotado. Foi uma longa negociação, que terminou na rendição do 7ºB.C e a vitória da revolução em Porto Alegre.

O gaúcho Cordeiro de Farias, que estava em Minas naquela época, fez pouco da fuzilaria do sul: “O papel do Rio Grande do Sul não foi preponderante nem na fase conspiratória nem no levante revolucionário. Examinando com cuidado o aspecto militar do movimento, veremos que os gaúchos tiveram uma participação pequena. Para eles foi um ‘dolce far niente’. Em Minas foi diferente. As unidades estacionadas no interior não ofereceram grande resistências, mas o fato é quer em Belo Ho­rizonte a luta foi dramática e prolongada”. Minas, como se sabe, é sempre outra história.


Nei Duclós é escritor e jornalista.

AGRADECENDO NOSSO AMIGO ANJO PELO MATERIAL!!!
MARAVILHOSO!
BEIJOKAS SURTADAS,