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robert johnson |
O guitarrista fantasma...
Depois
de mais um dia cansativo de aulas, consigo uma folga e chego em casa no meio da
tarde. Beleza! Tomar um banho, comer algo, esticar as pernas no sofá e gastar
meus dedos no controle da televisão. O que mais podemos pedir da vida?
Eis
que, no meio desse processo, ouço ao longe um ‘nhénhétchoinnnn’...depois de mais
algum tempo retorna o ‘nhéééééédilingdiling’.... Como pessoa curiosa, saio para
fora de casa, disfarçadamente, fumando um cigarrinho como quem não quer nada e
descubro que o barulho irritante vem do meu vizinho, que teima em achar que
toca guitarra...Você já teve um vizinho semi-chato? Explico. O semi-chato é
aquele que te dá bom dia, boa tarde e boa noite, não pergunta da tua vida e, se
duvidar, nem olha na tua cara, mas como nada é perfeito, o tal vizinho toca
guitarra. Bom, acho eu que toca, porque não entendo de música! Aliás, música
boa para mim é aquela que eu gosto, o resto...
Definitivamente, eu não
gostava daquela guitarra!
Mas
como moro na Martinho, não duvido de mais nada, vai que o vizinho é bom mesmo e
eu que sou chata?
Volto
para dentro de casa, conecto uns fones de ouvido na t.v., fico feliz da vida
assistindo filmes até tarde da noite....
‘Ding-dong,
ding-dongggggggggg!!!!!!!’
Acordo
assustada, alguém enfiou o dedo na campainha ou estou sonhando?
‘Ding-dong,
ding-dongggggggggg!!!!!!!’
Olho
a tela azul da televisão, o relógio me diz que são 3 da manhã...
‘Ding-dong,
ding-dongggggggggg!!!!!!!’
(Que
droga! Porque não enfia o dedo no...? )
Desço
correndo, meio zonza de sono, e vou olhar quem está histericamente com o dedo na
minha campainha a essa hora da noite (aliás, nessa rua TUDO acontece nesse horário).
É meu vizinho guitarrista! Retiro o que disse sobre o semi-chato...
Grito
um ‘já vai!’ , pego as chaves e pergunto: ‘Tá maluco meu filho? Essa hora da
manhã? Que foi? Matou alguém?’
O
abestalhado está mais branco que giz escolar, a boca treme e apenas grunhidos
saem de sua boca. Como não estou com paciência: ‘Desembucha homem!’
‘
O neee-gãooo t-t-tá na-na mi-minha casa....mme-me-me a-jujuju-da?’
(Gente,
não sabia que meu vizinho era gago! Que coisa!)
‘O
quê? Tua mulher viaja a trabalho e você coloca um negão dentro de casa? Mas que
pouca vergonha! Veio bater aqui para quê? Suruba?’
O
vizinho passa do branco para o vermelho de raiva: ‘NÃOOOO, TEM UM FANTASMA DUM
NEGÃO DENTRO DA MINHA CASA!’
(Peraí,
o cara não era gago?)
‘Tá
e eu com isso?’
‘Me
disseram que você é bruxa e que lida com isso...’
(Ainda
pego o filho da puta que espalhou essa história...)
Olho
para ele, respiro fundo e digo: ‘Espera, vou pegar minha vassoura...’
O
vizinho: ‘Ela é mágica?’
Eu:
‘Não imbecil, caso você esteja tirando um sarro da minha cara vou quebrá-la na
tua cabeça!’
Rápida
e nervosamente a porta de sua casa é aberta e....
Sentado
no canto da sala estava o negão!
Mas
não era um negão qualquer...nãooooo! Lá estava ele, vestido garbosamente, com
um terno de risca de giz, um casaco longo negro e um belo chapéu de feltro,
pernas cruzadas elegantemente, e um sorriso cheio de dentes, de fazer inveja a
qualquer anúncio de dentifrício.
Meu olhar vai do vizinho pro negão, do negão pro vizinho e ninguém fala
nada por uma eternidade. Na verdade, foram alguns poucos segundos, mas o
fantasma era assustador!
Bem
baixinho, me viro pro semi-chato e digo: ‘E?’
‘Você
não pode falar com ele?’, responde mais baixinho ainda...
‘Porque
você não fala?’
‘Eu
falei, mas ele fica aí com esse sorriso idiota...Achei que com você...sabe...ele
poderia falar...’
Elevo
a voz e dane-se o fantasma: ‘Escuta aqui tenho cara de padre? Quem faz
exorcismo é padre! Você não disse que sou bruxa?’
‘
Por isso mesmo, olha a cara de capeta do negão....daí pensei...capeta lembra o
quê? Bruxa e bruxa lembra...?’
‘Pode
parar!’
(Como
tem gente ignorante no mundo! Meus sais!’)
Podre
de cansada e caindo de sono, me viro pro negão e:
‘Escuta
meu senhor tá fazendo o quê aqui?’
A
mesma posição e o mesmo sorriso....
(Ai
meu saquinho que nem tenho...)
Faço
novamente a mesma pergunta, acrescento um ‘qual é a sua graça’ e outro
‘tem
coisa melhor para fazer não?’
Passa
algum tempo e o homem se levanta, magro e alto e assustador... e vai em direção
à guitarra do vizinho....O paspalho se atreve a dizer: ‘ Não toca na minha Mimosa! Nem chega perto!’
(Vem
cá, mimosa não é nome de vaca?)
‘Cala
a boca anta! Vamos ver o que ele vai fazer...’
Como
o negão é fantasma, claro que ele não pegou a guitarra, apenas apontou para ela
e, com a outra mão, fez sinal de negativo pro vizinho...
‘Acho
que ele está querendo te dizer para não tocar mais guitarra.... você deve ser
muito ruim!’
(Cá
entre nós, o fantasma com certeza é cria do demo, mas sabe que gostei dele?)
Depois,
mais rápido que o nosso olho consegue acompanhar, lança um bafo frio no vidro
da porta dos fundos, escreve “BOB” e desaparece no ar....
Bem
querida, me viro pro vizinho: ‘Posso ir para casa agora? Tô caindo de sono...’
O
cara meio zonzo, nem responde, aliás, nem um muito obrigada....
Saio
batendo os tamancos e vou dormir.
Nos
dias que se seguem, até me esqueço do ocorrido...depois, como quem não quer
nada, vou procurar no guia fácil dos burros e ignorantes, ou seja, o GOOGLE e
coloco: “negro, BOB” e, acrescento, “guitarrista” e voilá aparece a foto do fantasma do vizinho igualzinho mais um
breve histórico. Nome do cidadão:
ROBERT
JOHNSON.
O fantasma tinha sido ‘O’ guitarrista....
Finalmente,
havia entendido o porquê da visita da cria do Medonho...
Querem
saber do vizinho? Virou o vizinho perfeito! Nunca mais tocou guitarra!
Essas
são as coisas que acontecem apenas na Martinho...