STANISLAW PONTE PRETA Em 1966 foi publicado o livro FESTIVAL DA BESTEIRA QUE ASSOLA O PAÍS, de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo usado pelo jornalista Sérgio Porto, um mestre da ironia e do humor político e de costumes. AQUI ESTÃO ALGUMAS AMOSTRAS DESSE GRANDE ESCRITOR:
“É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da “redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a “redentora”, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela de dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo — alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar”.
“Enquanto o Marechal Presidente declarava que em hipótese alguma permitiria fosse alterada a ordem democrática por estudantes totalitários, insuflados por comunistas notórios, quem passasse pela Cinelândia no dia 1.º de abril depararia com o prédio da Assembléia Legislativa totalmente cercado por tropas da Polícia Militar.
Na certa, a separação de poderes, prevista na Constituição, passará a ser feita com cordão de isolamento e muita cacetada.” |
DESASTRE DE AUTOMÓVEL
Diz que aconteceu mesmo. O cara que me contou falou que o caso era verídico e ficou até de me apresentar o Cravino, personagem central desta
lamentável historinha de cunho conjugal.
É que esse tal de
Cravino tem uma mulher que eu vou te contar: se ele fosse casado com um
tamanduá estava mais bem servido. Há uns cinquenta quilos atrás ela ainda era
mais ou menos, isto é, tinha um rebolado não de todo desprezível e um rostinho
bem razoável. Mas depois que casou, a distinta só fez engordar e embuchar. Hoje
em dia — se o Cravino pudesse — dava ela de entrada em qualquer crediário.
E, como se não bastasse, a mulher
do Cravino é mais ciumenta que um pierrô. Por qualquer coísinha, parte
pra ignorância. A coisa foi num crescendo de amargar. No começo, o Cravino
olhava pró lado e levava uma catucada nas costelas, porque a mulher achava que
ele estava dando bola para alguma desajustada social. Depois, passou da
catucada ao beliscão, que é muito mais doloroso, e, ultimamente, diante da
complacência do marido (complacência essa ditada por total incapacidade física
diante da mulher), iniciou, com bastante êxito, o chamado festival de bolacha.
O pobre do Cravino, por qualquer besteira, apanha mais em casa que o time da
Portuguesa no campeonato.
O pobre coitado é um conformado de
sousa. Até já esqueceu como é mulher e a impressão que se tem é a de que — se alguém mandar ele desenhar uma mulher — o Cravino não vai saber
desenhar de cor. Para falar francamente, a única coisa que ainda interessa um
pouco o Cravino é automóvel. O rapaz é tarado por um carro bacana, um modelo
esporte, um carro de corrida.
E foi mais ou menos por causa de um desastre de automóvel que foi parar num hospital. Não que o Cravino estivesse dentro de um
carro acidentado; nada disso. O desastre de automóvel dele foi diferente.
O negócio foi o seguinte:
o Cravino tem um amigo que comprou a maior Mercedes-Benz. Um carro
alinhadíssimo, o fino da máquina e, sabendo que o seu cupincha ama carro assim,
telefonou para ele e perguntou se não queria dar uma voltinha no Mercedes.
Ora, tá na cara que o
Cravino ficou assanhado e topou logo. Seu entusiasmo foi tal que esqueceu a
mulher que tinha. O amigo chegou com o carro na porta da loja onde o Cravino é
gerente e entregou-lhe a chave:
— Pode rodar pela aí quanto quiser —
falou.
O Cravino, encantado, pegou o carro e saiu rodando pelo asfalto, feliz como
um passarinho. Tão entusiasmado
estava que esqueceu a hora de voltar. Quer dizer, ele esqueceu, mas a mulher
não. Bastou passar cinco minutos da hora normal do marido chegar, que ela
começou a pensar o pior:
— Deve estar metido em algum canto, com
mulheres! — falou a monstra para si mesma.
Quando já fazia uma hora da
hora do Cravino chegar, a mulher já estava queimando óleo 40. Sua indignação
era tanta que começou a babar numa bela coloração arroxeada. E o Cravino, nem
nada, passeando no Mercedes do amigo.
Só deu as caras em casa duas horas depois.
Vinha alegre, de alma lavada, amando o carro do outro. Nem se lembrou do
perigo que corria e, ao abrir a porta e dar com a megera indomada à sua frente,
ficou estupefato.
— Com que mulherzinha você estava,
cretino? — berrou a mulher.
— Eu estava com a
Mercedes. . . — mas nem chegou a dizer Benz. Levou uma traulitada firme por
debaixo das fuças e não viu mais nada. Só soube o quanto apanhou no dia
seguinte, no hospital, lendo sua ficha médica.
Foi ou não foi um desastre de
automóvel?
(tirado do livro
febeapa’1 de stanislaw ponte preta)