19 de set. de 2010

CONTOS DA MARTINHO:


robert johnson

 O guitarrista fantasma...

Depois de mais um dia cansativo de aulas, consigo uma folga e chego em casa no meio da tarde. Beleza! Tomar um banho, comer algo, esticar as pernas no sofá e gastar meus dedos no controle da televisão. O que mais podemos pedir da vida?
Eis que, no meio desse processo, ouço ao longe um ‘nhénhétchoinnnn’...depois de mais algum tempo retorna o ‘nhéééééédilingdiling’.... Como pessoa curiosa, saio para fora de casa, disfarçadamente, fumando um cigarrinho como quem não quer nada e descubro que o barulho irritante vem do meu vizinho, que teima em achar que toca guitarra...Você já teve um vizinho semi-chato? Explico. O semi-chato é aquele que te dá bom dia, boa tarde e boa noite, não pergunta da tua vida e, se duvidar, nem olha na tua cara, mas como nada é perfeito, o tal vizinho toca guitarra. Bom, acho eu que toca, porque não entendo de música! Aliás, música boa para mim é aquela que eu gosto, o resto...
 Definitivamente, eu não gostava daquela guitarra!
Mas como moro na Martinho, não duvido de mais nada, vai que o vizinho é bom mesmo e eu que sou chata?
Volto para dentro de casa, conecto uns fones de ouvido na t.v., fico feliz da vida assistindo filmes até tarde da noite....
‘Ding-dong, ding-dongggggggggg!!!!!!!’
Acordo assustada, alguém enfiou o dedo na campainha ou estou sonhando?
‘Ding-dong, ding-dongggggggggg!!!!!!!’
Olho a tela azul da televisão, o relógio me diz que são 3 da manhã...
‘Ding-dong, ding-dongggggggggg!!!!!!!’
(Que droga! Porque não enfia o dedo no...? )
Desço correndo, meio zonza de sono, e vou olhar quem está histericamente com o dedo na minha campainha a essa hora da noite (aliás,  nessa rua TUDO acontece nesse horário).
 É meu vizinho guitarrista! Retiro o que disse sobre o semi-chato...
Grito um ‘já vai!’ , pego as chaves e pergunto: ‘Tá maluco meu filho? Essa hora da manhã? Que foi? Matou alguém?’
O abestalhado está mais branco que giz escolar, a boca treme e apenas grunhidos saem de sua boca. Como não estou com paciência: ‘Desembucha homem!’
‘ O neee-gãooo t-t-tá na-na mi-minha casa....mme-me-me a-jujuju-da?’
(Gente, não sabia que meu vizinho era gago! Que coisa!)
‘O quê? Tua mulher viaja a trabalho e você coloca um negão dentro de casa? Mas que pouca vergonha! Veio bater aqui para quê? Suruba?’
O vizinho passa do branco para o vermelho de raiva: ‘NÃOOOO, TEM UM FANTASMA DUM NEGÃO DENTRO DA MINHA CASA!’
(Peraí, o cara não era gago?)
‘Tá e eu com isso?’
‘Me disseram que você é bruxa e que lida com isso...’
(Ainda pego o filho da puta que espalhou essa história...)
Olho para ele, respiro fundo e digo: ‘Espera, vou pegar minha vassoura...’
O vizinho: ‘Ela é mágica?’
Eu: ‘Não imbecil, caso você esteja tirando um sarro da minha cara vou quebrá-la na tua cabeça!’
Rápida e nervosamente a porta de sua casa é aberta e....
Sentado no canto da sala estava o negão!
Mas não era um negão qualquer...nãooooo! Lá estava ele, vestido garbosamente, com um terno de risca de giz, um casaco longo negro e um belo chapéu de feltro, pernas cruzadas elegantemente, e um sorriso cheio de dentes, de fazer inveja a qualquer anúncio de dentifrício.  Meu olhar vai do vizinho pro negão, do negão pro vizinho e ninguém fala nada por uma eternidade. Na verdade, foram alguns poucos segundos, mas o fantasma era assustador!
Bem baixinho, me viro pro semi-chato e digo: ‘E?’
‘Você não pode falar com ele?’, responde mais baixinho ainda...
‘Porque você não fala?’
‘Eu falei, mas ele fica aí com esse sorriso idiota...Achei que com você...sabe...ele poderia falar...’
Elevo a voz e dane-se o fantasma: ‘Escuta aqui tenho cara de padre? Quem faz exorcismo é padre! Você não disse que sou bruxa?’
‘ Por isso mesmo, olha a cara de capeta do negão....daí pensei...capeta lembra o quê? Bruxa e bruxa lembra...?’
‘Pode parar!’
(Como tem gente ignorante no mundo! Meus sais!’)
Podre de cansada e caindo de sono, me viro pro negão e:
‘Escuta meu senhor tá fazendo o quê aqui?’
A mesma posição e o mesmo sorriso....
(Ai meu saquinho que nem tenho...)
Faço novamente a mesma pergunta, acrescento um ‘qual é a sua graça’ e outro
‘tem coisa melhor para fazer não?’
Passa algum tempo e o homem se levanta, magro e alto e assustador... e vai em direção à guitarra do vizinho....O paspalho se atreve a dizer: ‘ Não toca na minha Mimosa! Nem chega perto!’
(Vem cá, mimosa não é nome de vaca?)
‘Cala a boca anta! Vamos ver o que ele vai fazer...’
Como o negão é fantasma, claro que ele não pegou a guitarra, apenas apontou para ela e, com a outra mão, fez sinal de negativo pro vizinho...
‘Acho que ele está querendo te dizer para não tocar mais guitarra.... você deve ser muito ruim!’
(Cá entre nós, o fantasma com certeza é cria do demo, mas sabe que gostei dele?)
Depois, mais rápido que o nosso olho consegue acompanhar, lança um bafo frio no vidro da porta dos fundos, escreve “BOB” e desaparece no ar....
Bem querida, me viro pro vizinho: ‘Posso ir para casa agora? Tô caindo de sono...’
O cara meio zonzo, nem responde, aliás, nem um muito obrigada....
Saio batendo os tamancos e vou dormir.
Nos dias que se seguem, até me esqueço do ocorrido...depois, como quem não quer nada, vou procurar no guia fácil dos burros e ignorantes, ou seja, o GOOGLE e coloco: “negro, BOB” e, acrescento, “guitarrista” e voilá aparece a foto do fantasma do vizinho igualzinho mais um breve histórico. Nome do cidadão:
ROBERT JOHNSON. 
O fantasma tinha sido ‘O’ guitarrista....
Finalmente, havia entendido o porquê da visita da cria do Medonho...
Querem saber do vizinho? Virou o vizinho perfeito! Nunca mais tocou guitarra!
Essas são as coisas que acontecem apenas na Martinho...



DESEJANDO UM DOMINGO SURTADO!
REGINA