4 de dez. de 2010

O SENHOR SPP


STANISLAW PONTE PRETA
Em 1966 foi publicado o livro FESTIVAL DA BESTEIRA QUE ASSOLA O PAÍS, de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo usado pelo jornalista Sérgio Porto, um mestre da ironia e do humor político e de costumes.
AQUI ESTÃO ALGUMAS AMOSTRAS DESSE GRANDE ESCRITOR:



“É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da “redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a “redentora”, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela de dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo — alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar”.

“Enquanto o Marechal Presidente declarava que em hipótese alguma permitiria fosse alterada a ordem democrática por estudantes totalitários, insuflados por comunistas notórios, quem passasse pela Cinelândia no dia 1.º de abril depararia com o prédio da Assembléia Legislativa totalmente cercado por tropas da Polícia Militar.
Na certa, a separação de poderes, prevista na Constituição, passará a ser feita com cordão de isolamento e muita cacetada.”


DESASTRE DE AUTOMÓVEL

Diz que aconteceu mesmo. O cara que me contou falou que o caso era verídico e ficou até de me apresentar o Cravino, personagem central desta lamentável historinha de cunho conjugal.
É que esse tal de Cravino tem uma mulher que eu vou te contar: se ele fosse casado com um tamanduá estava mais bem servido. Há uns cinquenta quilos atrás ela ainda era mais ou menos, isto é, tinha um rebolado não de todo desprezível e um rostinho bem razoável. Mas depois que casou, a distinta só fez engordar e embuchar. Hoje em dia — se o Cravino pudesse — dava ela de entrada em qual­quer crediário.
E, como se não bastasse, a mulher do Cravino é mais ciumenta que um pierrô. Por qualquer coísinha, parte pra ignorância. A coisa foi num crescendo de amargar. No co­meço, o Cravino olhava pró lado e levava uma catucada nas costelas, porque a mulher achava que ele estava dando bola para alguma desajustada social. Depois, passou da catucada ao beliscão, que é muito mais doloroso, e, ultimamente, dian­te da complacência do marido (complacência essa ditada por total incapacidade física diante da mulher), iniciou, com bas­tante êxito, o chamado festival de bolacha. O pobre do Cra­vino, por qualquer besteira, apanha mais em casa que o time da Portuguesa no campeonato.
O pobre coitado é um conformado de sousa. Até já esqueceu como é mulher e a impressão que se tem é a de que — se alguém mandar ele desenhar uma mulher — o Cravino não vai saber desenhar de cor. Para falar francamen­te, a única coisa que ainda interessa um pouco o Cravino é automóvel. O rapaz é tarado por um carro bacana, um mo­delo esporte, um carro de corrida.
E foi mais ou menos por causa de um desastre de auto­móvel que foi parar num hospital. Não que o Cravino esti­vesse dentro de um carro acidentado; nada disso. O desastre de automóvel dele foi diferente.
O negócio foi o seguinte: o Cravino tem um amigo que comprou a maior Mercedes-Benz. Um carro alinhadíssimo, o fino da máquina e, sabendo que o seu cupincha ama carro assim, telefonou para ele e perguntou se não queria dar uma voltinha no Mercedes.
Ora, tá na cara que o Cravino ficou assanhado e topou logo. Seu entusiasmo foi tal que esqueceu a mulher que tinha. O amigo chegou com o carro na porta da loja onde o Cravino é gerente e entregou-lhe a chave:
—  Pode rodar pela aí quanto quiser — falou.
O Cravino, encantado, pegou o carro e saiu rodando pelo asfalto, feliz como um passarinho. Tão entusiasmado estava que esqueceu a hora de voltar. Quer dizer, ele esque­ceu, mas a mulher não. Bastou passar cinco minutos da hora normal do marido chegar, que ela começou a pensar o pior:
—  Deve estar metido em algum canto, com mulheres! — falou a monstra para si mesma.
Quando já fazia uma hora da hora do Cravino chegar, a mulher já estava queimando óleo 40. Sua indignação era tanta que começou a babar numa bela coloração arroxeada. E o Cravino, nem nada, passeando no Mercedes do amigo.
Só deu as caras em casa duas horas depois. Vinha ale­gre, de alma lavada, amando o carro do outro. Nem se lem­brou do perigo que corria e, ao abrir a porta e dar com a megera indomada à sua frente, ficou estupefato.
—  Com que mulherzinha você estava, cretino? — ber­rou a mulher.
— Eu estava com a Mercedes. . . — mas nem chegou a dizer Benz. Levou uma traulitada firme por debaixo das fuças e não viu mais nada. Só soube o quanto apanhou no dia seguinte, no hospital, lendo sua ficha médica.
Foi ou não foi um desastre de automóvel?
(tirado do livro febeapa’1 de stanislaw ponte preta)